Não é dança do ventre, nem tampouco pode ser considerado folclore. Também não é etnicamente tradicional. O Estilo Tribal divide gostos e opiniões, e deixa uma dúvida: o que é afinal esta dança?
Para quem ainda não conhece, Estilo Tribal é uma modalidade de dança que, tendo como base a dança do ventre, funde arquétipos, conceitos e movimentos de danças étnicas das mais variadas regiões, como o Flamenco, a Dança Indiana e danças folclóricas de diversas partes do Oriente, desde as tradicionais manifestações folclóricas já bem conhecidas pelas bailarinas de dança do ventre às danças tribais da África Central, chegando até mesmo às longínquas tradições das populações islâmicas do Tajisquitão.
Para usar uma terminologia apropriada que não cause dúvida, espanto ou revolta nas defensoras da tradição, chamamos esta modalidade de Estilo Tribal Folclórico Interpretativo. Este estilo surgiu nos EUA, nos idos dos anos 70, quando a bailarina Jamila Salimpour, ao fazer uma viagem ao Oriente, se encantou com os costumes dos povos tribais daquela região. De volta à América, Jamila resolveu inovar e mesclar à dança do ventre as demais manifestações culturais que havia conhecido em sua viagem.
Com sua trupe Bal Anat, Jamila passou a desenvolver coreografias que aliavam acessórios das danças folclóricas aos passos característicos da dança do ventre, baseando-se em lendas tradicionais do Oriente para criar uma espécie de dança-teatro, acrescentando à isso um figurino mais condizente com o vestuário tradicional das verdadeiras mulheres orientais, abandonando então as lantejoulas e miçangas características dos trajes bedleh.
Um exemplo que temos desta nova forma de dança é a tão popular Dança da Cimitarra. Segundo Jamila, a primeira bailarina que comprovadamente apresentou esta dança, várias lendas sobre o uso da espada pelas mulheres do Oriente, em forma de dança, existem, mas nenhuma delas pode ser tida como real, já que o próprio povo daquela região não aceita esta dança como parte de suas lembranças culturais.
Uma forte característica trazida para o Estilo Tribal das danças tribais é a coletividade. Não há performances solos no Estilo Tribal. As bailarinas, como numa tribo, celebram a vida e a dança em grupo. Dentre as várias disposições cênicas do Estilo Tribal estão a roda e a meia lua. No grande círculo, as bailarinas têm a oportunidade de se comunicarem visualmente, de dançarem umas para as outras, de manterem o vínculo que as une como trupe. Da meia lua, surgem duetos, trios, quartetos, pequenos grupos que se destacam para levar até o público esta interatividade.
Nos anos 80, novas trupes já haviam se espalhado pelos EUA. Masha Archer, discípula de Jamila, ensina a sua aluna Carolena Nericcio as técnicas do Estilo Tribal, criadas por Jamila pra obter um melhor desempenho de suas bailarinas. Esta técnica baseia-se nos trabalhos de repetição e condicionamento muscular (e mental) do Ballet Clássico, adaptados aos movimentos das danças étnicas. Incentivada pelas diferenciações do novo estilo, Carolena forma sua própria trupe, que dará novos contornos à história do Estilo Tribal.
O figurino utilizado por Jamila e sua trupe cobria o torso da bailarina, sendo composto (ainda hoje mantido por esta trupe) basicamente por batas do tipo djellaba ou galabias. Isso tirava, segundo Carolena, um pouco da intenção e visualização do movimento. Surge então um novo visual ao Estilo, que até os dias de hoje continua predominando no cenário Tribal: saia longa e larga, sem abertura nas laterais ou calça pantalona ou salwar (bombacha indiana), choli (blusa curta de manga longa ou semi, que é tradicionalmente utilizada pelas mulheres indianas embaixo do sari), sutiã por cima da choli, xales, cintos, adereços, moedas, borlas, para incrementar o traje, dar maior visualização aos giros e tremidos etc.
Além deste novo figurino, Carolena e sua trupe Fat Chance Belly Dance trouxeram ao Estilo Tribal a complementação com movimentos oriundos da Dança Indiana e Flamenca, e a característica mais forte atualmente no Estilo Tribal: a improvisação coordenada. Esta improvisação parece uma brincadeira de "siga o líder", e baseia-se numa série de códigos e sinais corporais que as bailarinas aprendem, trupe a trupe, que indicam qual será o próximo movimento a realizar, quando haverá transições, trocas de liderança etc. Para a audiência, ficará a impressão de que aquela trupe está desenvolvendo uma coreografia diversas vezes ensaiada, mas ao contrário, elas estão improvisando todas as seqüências na hora, sem que com isso percam o sincronismo e a simetria em cena.
Ainda falando das inovações trazidas por Carolena, a nova postura desenvolvida por suas bailarinas e as posições corporais diferenciadas na execução dos passos dão amplitude aos movimentos, sendo então melhor visualizados pelo público.
Nos anos 90, o Estilo Tribal, passou a demonstrar com mais força a presença da Dança Indiana e ainda mais danças folclóricas foram adaptadas ao Estilo, tudo representado de uma forma simbólica e interpretativa, sem com isso querer traduzir a realidade destas danças, já que estão totalmente fora de seu contexto original.
No Brasil, Shaide e a Cia. Halim, de São Paulo, capital, estão desenvolvendo um trabalho baseado nestas inovações pelas quais o Estilo passou, que acabaram por originar uma nova corrente denominada Neo Tribal, que possibilita a mescla entre a improvisação coordenada do Fat Chance e o estilo coreografado do Bal Anat e sua dança teatralizada, ainda permitindo que novos elementos folclórico-culturais e novas influências sejam acolhidas pelo estilo.
Shaide atualmente desenvolve um trabalho de conscientização corporal em suas bailarinas, por meio do uso da biomecâmica (cinesiologia) dos passos, aliados à postura e com um trabalho paralelo de acompahamento fisioterapêutico individualizado, bailarina por bailarina, desde o aquecimento, alongamento, série de sequências ao relaxamento final das aulas, ensaios e espetáculos. Este trabalho visa desenvolver bailarinas ainda mais capacitadas, reestruturando não apenas a parte muscular, mas também a respiratória, evitando que com isso elas ganhem vícios posturais, até mesmo corrigindo as patologias já existentes, e tornando-as mais aptas a enfrentarem horas dançando sem causarem danos ao seu organismo, com um melhor preparo físico.
(Texto de Shaide Halim)